Os leitores do blog costumam dizer que sou de “esquerda”. Dependendo de quem coloca o rótulo, o uso da palavra pode significar tanto simpatia pelas minhas ideias como a mais profunda e abissal aversão.
Já escrevi uma pequena série sobre a ânsia da humanidade por
orientações direcionais (textos 1, 2 e 3), na qual pretendi pontuar que os
conceitos que relacionamos com “direita” e “esquerda” estão um tanto
anacrônicos, e que esse tipo de polarização passa longe do que deveríamos
almejar. Posicionar à "esquerda" valores que devem ser universais,
como o combate à desigualdade social e a defesa dos direitos civis, é cometer
com os "bons" liberais as mesmas injustiças de que são vítimas os "esquerdistas"
contemporâneos quando tentam colar entre suas (nossas?) bandeiras uma mixórdia
que vai do socialismo autoritário pré-muro de Berlim ao capitalismo predatório
chinês.
Confesso, porém, que essa contestação aos modelos tradicionais,
que conduzo usualmente, sempre deixa perguntas no ar: se não vamos seguir pela
“direita” nem pela “esquerda”, por onde então? Se pagar dívidas “pode não ser uma prioridade”, é para deixar de pagar ou não? Se a participação política não
pode acabar no ato de votar, o que mais devemos fazer?
Não deixo perguntas sem resposta por acaso - como não será por
acaso, nem por ser burrroo dá um zero pra ele que ofenderei a norma culta
iniciando a próxima frase com um pronome oblíquo átono. O faço, algumas vezes,
por não ter mesmo uma boa resposta. Em todas as vezes, por não querer que
ninguém se guie pelas minhas respostas. “Ah, chegou atrasado,
isso é filosofia clássica, se preocupar mais com perguntas do que com
respostas.” Pode até ser. Mas não entendo nada de filosofia, não li nem o
"Mundo de Sofia", e no geral me considero bem pragmático. Acho que as
perguntas precisam de respostas. Mas elas devem ser conquistadas.
Por rejeitar verdades prontas, não abraço ideologias ou religiões.
Malgrado as pretensas diferenças entre os muitos “ismos” que lutam ao longo dos
séculos pela preferência do público, todos se assemelham dos modos mais
absolutamente nocivos: provocam divisões, quando precisamos de união; e
pretendem impor modelos de pensamento, ignorando que dependemos da liberdade
tanto quanto de oxigênio.
“Nenhum homem é uma ilha”, poetizou John Donne. Mas todas as ilhas
são diferentes, por mais que de longe possam parecer iguais. E para que os
ávidos por respostas não me acusem de estar tergiversando novamente, afirmarei
a única ideologia que tento praticar, e que desejo para todos: o livre
arbítrio. Que cada um pense por si mesmo. Que construa suas dúvidas e certezas,
seu único caminho. Único, não solitário, pois há muitas estradas que conduzem
aos mesmos destinos. Mas que devem ser trilhadas com os próprios pés, não
seguindo as pegadas dos outros.
Evidentemente, podemos e devemos fazer bom uso das placas
dispostas ao longo da trilha. Por isso, de vez em quando, me arrisco a lançar
uma conclusão ou outra, bem como a indicar fontes de pesquisa que explicam umas
poucas coisas, ao mesmo tempo em que nos induzem a descobrir outras. E não
deixo de defender minhas pautas: direitos humanos, liberdades individuais,
Estado laico, redução da desigualdade social, transparência na gestão pública,
emergência de novos modelos de participação política. Mas que continuem sendo
minhas, e não de um “ismo” qualquer. Porque as quero livres, contagiantes,
viralizantes, e não empacotadas. Que se afirmem por suas virtudes,
e não por oposição a inimigos imaginários.
Pensei em encerrar dizendo que felizes são os que não precisam de gurus ou profetas. Pena que seria um fechamento enganoso, pois liberdade de escolha não é sinônimo de felicidade. Ser livre é apenas negar-se a viver como uma sombra ou marionete, rejeitar a mediocridade do caminho já trilhado. Por fim, há apenas uma coisa que posso dizer àqueles que procuram por uma estrela para seguir, ou por mandamentos para obedecer: libertem-se. A vida que vale a pena ser vivida não vem com manual de instruções.
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