quinta-feira, 17 de julho de 2014

O Nome do Jogo


Vamos imaginar que um estrangeiro amante do futebol, em suas andanças pela orla do Rio de Janeiro, resolva bater uma bolinha na praia. Ele é recebido com sorrisos, escalado numa das equipes, e começa o jogo. No primeiro passe que recebe, porém, é empurrado, se esborracha na areia e fica sem a redonda. Quando está abrindo a boca para reclamar, percebe que um dos seus companheiros de equipe recuperou a pelota utilizando o mesmo expediente. E, ante seu olhar atônito, a partida segue com uma sucessão de empurrões, ombradas, carrinhos e safanões. Diante dessa situação, o que poderia fazer o turista? Seguir jogando pelas regras que conhece e aprendeu a respeitar, sabendo que dificilmente conseguiria ganhar um só lance na partida; se adaptar às estranhas regras locais e começar também a praticar o futebol arte marcial; ou simplesmente se retirar do gramado.
Por mais que essa alegoria seja inusitada, acredito que espelhe o que deve sentir um cidadão honesto e bem intencionado quando tenta se aventurar na política brasileira.
Já escrevemos antes sobre a distância que existe entre nosso sistema eleitoral representativo, com forte influência do poder econômico, e a democracia conceitual, preconizada pela própria Constituição. Demonstramos, também, que um dos efeitos dessa plutocracia disfarçada é a absurda disparidade na representação do Congresso Nacional. Há, porém, uma consequência ainda mais nefasta: o sistema político vigente parece ter sido planejado sob medida para manter, e ser mantido, pela corrupção.

“O presidente que não contemporizou com o patrimonialismo, caiu.”
(Frase atribuída ao ex-Presidente Lula, em artigo do ex-quase tudo Ciro Gomes)

Espantou-me, na época em que li esse artigo, a baixíssima repercussão da suposta fala do ex-Presidente. Mas, pensando melhor, entendi que os adversários dificilmente poderiam obter dividendos eleitorais em cima dessa “revelação”. Afinal, os políticos precisam chamar atenção pelos pontos em que diferem dos seus concorrentes, de nada valendo repisar suas semelhanças. E mesmo o eleitor de raciocínio mais rudimentar dificilmente será convencido de que a corrupção é “privilégio” de um ou outro grupo, vide a democrática distribuição entre os partidos da “bancada ficha suja” (veja neste link os dados divulgados pelo TSE nas eleições de 2012). O principal partido de oposição ao governo federal lidera a lista, com o grande baluarte da base aliada nos seus calcanhares. Assim até dá para entender por que preferem não tratar com seriedade de certos assuntos. Discutir aborto, religião ou taxa de juros é muito mais seguro.

“O problema da corrupção não é apenas a violação das normas, mas o fato de ela muitas vezes ser as próprias normas.”
(Jean Wyllys, Deputado Federal de primeira viagem, leia o artigo completo aqui)

Vamos tentar contrariar frontalmente a afirmação acima e defender que não temos um sistema que estimula a corrupção. Que esta se originaria da má índole dos nossos políticos, e seria alimentada pela impunidade. Não duvido que estes fatores tenham grande peso na disseminação dos ilícitos. Porém, acreditar que a corrupção resulta somente de desvios morais, considerando a amplitude e diversidade da nossa fauna de colarinhos brancos, nos conduz a questões inquietantes: somos, então, todos imorais? Ou seria a classe política menos ética que a média da população? E, se isso for verdade, já eram menos éticos antes, e por isso se sentiram atraídos pela política, ou se tornaram menos éticos depois, para ter sucesso? Ou, se somos mesmo todos imorais, não iremos naturalmente tentar impor regras que facilitem e encubram nossas imoralidades?
Não importam as respostas que possamos dar a essas perguntas, nenhuma delas mudará o fato de que, se a corrupção nascesse apenas das más iniciativas de poucos indivíduos, ela não seria um problema tão grande como de fato é no Brasil. A verdade é que a corrupção se tornou parte integrante do nosso sistema político, em que o dinheiro é muito mais importante do que ideologia ou moral. Assim, é indiferente se achamos que pessoas más criaram o sistema, ou se elas se tornaram más por causa do sistema. Nos dois casos, é claro que ele precisa ser enfrentado. Precisa ser modificado.

 “O sistema não trabalha para resolver os problemas da sociedade. O sistema trabalha para resolver os problemas do sistema.”
(Capitão Nascimento, Tropa de Elite 2)

Mas será que não temos pessoas decentes, realmente honestas na política? Que consigam escapar das armadilhas e atuar em prol da sociedade?
Embora, evidentemente, não me arrisque a atestar a índole, para o bem ou para o mal, de nenhuma pessoa, em especial de políticos, prefiro acreditar que temos, sim, muitas pessoas dispostas a mudar para melhor o nosso país. E volta e meia me deparo com notícias que indicam que, se elas existem mesmo, enfrentam dificuldades maiores do que podemos imaginar.

“Sempre desejei um município livre da corrupção e injustiças, mas me sinto incapaz de exercer tal função.”
(Frase da carta de renúncia de Lori Gaio, ex-prefeito de São Jorge do Oeste/PR)

“Ou você dá o dinheiro, ou você não vai governar.”
(Ameça que o Prefeito de Itaocara-RJ afirma ter sido feita pelos vereadores)

Não conheço nenhum dos políticos envolvidos nos casos supracitados, e até pode haver um outro lado nessas histórias. Mas o que elas ilustram, no mínimo, é a irracionalidade de esperarmos que surja um redentor, um único indivíduo que enfrente o sistema e tenha sucesso. Nós temos, para o bem e para o mal, três poderes. Que normalmente só se aliam quando tem interesses em comum.
Faltam oitenta dias para 05 de Outubro. Posso apostar um dedo que, como mestres da prestidigitação, os candidatos farão todos os seus esforços para que a atenção das pessoas fique concentrada no que é menos importante. Para que as eleições continuem sendo uma guerra de torcidas, repletas de promessas que serão esquecidas na poeira do tempo e de mudanças cuidadosamente planejadas para deixar tudo absolutamente igual.
Mas por aqui, vamos aproveitar o período eleitoral para tentar jogar um pouco de luz sobre alguns temas que nossos abnegados políticos preferem deixar na escuridão. Evitando ao máximo citar algum candidato, afinal, não queremos ser alvejados pela Lei 12.891/2013.  
“Olhe a sua volta. Somos todos mentirosos aqui.”
(Petyr Baelish, por George Martin, “As Crônicas de Gelo e Fogo”)



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