Claro que ninguém poderia prever, naquele fatídico 26 de outubro
de 2014, que o resultado daquela eleição representaria, literalmente, o fim do
Brasil. Nem mesmo na semana seguinte, quando as manifestações xenofóbicas e
petições por separatismo e impeachment tomaram as redes
sociais e, em menor escala, as ruas (uma passeata com 30 pessoas teria tomado a Avenida Paulista já no
dia seguinte ao pleito), essa hipótese parecia sequer factível. Mimimi era
o comentário mais comum de resposta ao grito dos revoltosos.
Todos apostavam que, passado o frenesi pós-eleitoral, a situação
se acalmaria. Porém, uma série de atitudes impensadas da Presidenta reeleita,
logo no início do seu segundo mandato, desencadeou uma série de revoltas
populares, que desembocaram na então inimaginável guerra de secessão.
Até hoje não se sabe exatamente qual foi a fagulha que iniciou o
incêndio. Alguns culpam um pacote de plebiscitos e decretos enviados pela
Presidenta ao Congresso, que teriam como objetivo transformar o país
numa Ditadura por meio da ampliação maciça da participação popular nas decisões
de governo (?). Outros, a uma emenda no orçamento que destinava um extra de 0,003% das receitas de um tal “fundo de participação dos
municípios” para o Nordeste. A tese mais aceita, porém, é de que a revolta
só se instaurou mesmo quando foram anunciadas desonerações tributárias para
equipamentos eletrônicos destinados ao consumidor de baixa renda, num programa
batizado “Meu Tablet, Minha Vida”.
A população rica, instruída e trabalhadora do Sul-Sudeste, que
precisava viajar para fora do país a fim de adquirir produtos sem pagar os
escorchantes impostos brasileiros, que tolhiam sua renda e deterioravam cada vez mais sua condição de vida, não aceitou essa infâmia. No dia seguinte ao
anúncio da desoneração, o Sul anunciou, no Facebook, sua separação. Um abaixo assinado virtual,
lançado na mesma data, deu legitimidade e tornou irreversível o processo.
Nascia a Nova Argentina, formada pela união dos antigos estados do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para evitar futuros conflitos
eleitorais, que pudessem levar a mais cisões, decidiu-se instalar a Monarquia.
Ainda, considerando a renomada inapetência genética dos nascidos em solo
brasileiro para gerirem os negócios do Estado, o Monarca teria que ser
importado. Abriu-se uma enquete, cujo vencedor foi o Príncipe da Baviera.
Seduzido por fotos da Oktoberfest e da Festa da Uva, o Príncipe
interrompeu suas férias vitalícias numa estação de esqui alpina e aceitou
assumir o trono da Nova Argentina.
O povo bandeirante logo seguiu o exemplo sulista. Porém, embora
concordassem com a Monarquia, não viam necessidade de importar um nobre. A
história do pujante Estado de São Paulo atestava a competência do puro-sangue
paulista, principalmente quando ele era misturado com japoneses, chineses,
coreanos, italianos, libaneses, fluminenses, e, quem diria, até com nordestinos.
Curiosamente, os movimentos revolucionários mais fortes se
concentraram no apoio não a paulistanos históricos, mas a dois radicados: o
artista, comediante e parlamentar Tiririca, e o cantor, escritor e filósofo
Lobão. Tiririca, oriundo do Ceará, ex-palhaço de circo, tinha pouco estudo mas muita popularidade: acabara de conquistar, pela segunda vez,
a maior votação do estado para a câmara federal. O carioca Lobão, após uma juventude
turbulenta, com seguidas detenções por porte de substâncias psicoativas, se
convertera em um ícone do movimento liberal. Sua heróica resistência às
tentativas de instauração da ditadura bolivariana no Brasil inspirava a elite
social e intelectual do país.
Porém, apesar da fama de Lobão, os seguidores de Tiririca eram
mais numerosos. Numa rápida investida, tomaram o Palácio dos Bandeirantes e
expulsaram de lá o governador. Só então perceberam que haviam se esquecido de
um detalhe: onde estava o líder da revolução? Enquanto a cúpula debatia
como manter o controle enquanto seu Messias não era encontrado, foram surpreendidos pela augusta figura do “Deputado
Francisco Everardo” ao vivo na tevê. Informado pelo repórter de que estaria
sendo aguardado em São Paulo para a coroação, Tiririca disse:
“Ô abestado, mas quem qui disse qui ieu quero ficá lá cum aqueles doido? Si vão
dividí mermo o Brasir, perfiro vortá pro meu Ceará!”
A desmobilização foi instantânea. O trono, assim, caiu no colo de
Lobão, que adotou a alcunha de Woerdenbag I, Imperador Bandeirante.
Esperava-se uma forte reação do governo central ao movimento
separatista. O que não aconteceu. Numa decisão surpreendente, a Presidenta
Dilma abdicou do cargo e partiu para exílio voluntário na Bulgária. Na carta de
renúncia, ela se declarou “chocada com as notícias vindas do Sul e de São
Paulo, e, principalmente, com as fortes discussões nas redes sociais que desfazem
amizades e semeiam a discórdia entre famílias. Retiro-me, assim, pelo bem
maior.” Relatos não oficiais, contudo, sustentam que ela na verdade estaria “de
saco cheio de tanta frescuragem”.
Na Bulgária, Dilma também foi eleita mandatária da nação, e
finalmente concretizou seu sonho de outorgar uma Constituição Bolivariana. Mas,
isso não tem grande importância para nossa história.
Com a renúncia da Presidenta, e a consolidação da Nova Argentina e
do Império Bandeirante, nada impedia a fragmentação do restante do território
brasileiro. As regiões Norte e Nordeste se uniram ao Rio de Janeiro e Espírito
Santo para formar Cuba do Sul, sob a liderança do mitológico Presidente Lula.
No planalto central, como de hábito, ninguém sabia para onde ir ou
o que fazer. Aproveitando-se do abandono da capital, os discípulos de Inri
Cristo se uniram aos integrantes de uma comunidade hippie da Chapada dos
Veadeiros e dividiram o território. Inri Cristo tomou o Palácio do Planalto, e
os hippies, o Congresso Nacional. Como eles chegaram numa sexta-feira, não
houve qualquer resistência. E assim, por obra do acaso, surgia um regime
inédito no cenário mundial, a Teocracia Parlamentarista Libertária da Grã-Ordem
Kavernista.
Havia, então, um único vazio de poder: Minas Gerais. Os mineiros
tentaram se incorporar ao Império Bandeirante, mas o Imperador Woerdenbag os
rejeitou, alegando que “não ia dar mole pra infiltração comunista”. Sem opção,
acabaram se emancipando a contragosto. A República das Alterosas elegeu como
líder provisório o candidato derrotado por Dilma na disputa presidencial, Aécio
Neves. O reinado de Aécio, porém, foi brevíssimo. Após uma semana, por motivos
até hoje não esclarecidos, ele fugiu em direção ao Rio de Janeiro, e requisitou
asilo político em Cuba do Sul.
Aécio esperava ser perdoado por suas antigas desavenças com Lula,
obter a cidadania cubano-sulista e abandonar a vida pública. Tudo que desejava
era voltar ao seu modesto apartamento no Leblon. Porém, a imberbe nação de Cuba
do Sul não podia se arriscar a um incidente diplomático desse porte, e negou o
pedido. Aécio deveria voltar a Minas.
Desse ponto em diante, ele desaparece dos registros históricos.
Com exceção de um boato de que teria sido visto a caminho de Brasília
acompanhado do também ex-candidato à presidência Eduardo Jorge para se juntarem
à Grã-Ordem Kavernista, nada mais se ouviu dele. É como se Aécio tivesse virado
pó.
Gostaria de terminar este relato dizendo que a separação, ao fim,
foi pelo bem geral da nação. Mas do ponto em que escrevo, vinte anos depois dos
traumáticos acontecimentos narrados, essa seria uma visão falaciosa. Com exceção de Cuba do Sul, que prospera sob a liderança do
Presidente Eterno Lula (que, aos 90 anos, caminha para um surpreendente sexto
mandato), os demais Estados soberanos continuam aquém de suas potencialidades. A República
das Alterosas, após superar a turbulência provocada pela fuga de Aécio, se
firmou como um país pacífico e produtivo. Mas a falta de uma saída para o mar
estrangula os produtores locais, que são obrigados a pagar taxas abusivas para
usarem os portos de Cuba do Sul.
Por falar em sul, a Nova Argentina se tornou
berço de gente mansa, indolente e sem ambição. Alguns creditam essa mudança à
influência nociva do Príncipe da Baviera, que se revelou nada mais que um bon vivant. Outros afirmam que o Sul já
cumpriu seu projeto histórico se separando dos selvagens, e agora nada mais há
a se fazer.
Espírito semelhante habita o território Grã-Kavernista, que
regrediu a um modelo econômico pré-colonial. Isso gerou grande satisfação do
povo indígena, que hoje ocupa boa parte do cerrado.
Sim, ainda não falei do Império Bandeirante. Infelizmente, nada
sei sobre eles. O Imperador Woerdenbag há muito fechou as fronteiras e proibiu
qualquer contato com o mundo exterior, para "proteger os súditos do perigo da disseminação de ideário subversivo”. Do fundo do coração, espero que estejam bem.
Esse texto está bem petista. Parabéns. Mas acho que você está atrasado. Sua presidente agora mandou ser bonzinho de novo e dialogar...kkkk
ResponderExcluirO amigo está demonstrando um estágio avançado de petefobia, apenas relatei o que foi narrado pelo viajante do tempo, sem qualquer viés partidário. Abraço, camarada!
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