“Não adianta nada
ser um leão nas ruas e um burro na frente da urna!”
Frases
de efeito tem uma capacidade especial de induzir as pessoas a desligarem o
senso crítico e saírem alegremente repetindo “verdades” pré-fabricadas. Mas as
ideias tem poder, e poderes trazem responsabilidades (Parker, Ben, in: todas as
revistas e filmes do Homem-Aranha). Já se consolidou no imaginário popular a crença
de que o brasileiro “não sabe” votar. Por tabela, muitos dos males que afligem
nosso país seriam por conta dessa inapetência. Será mesmo que o cidadão
brasileiro está produzindo sua própria desgraça, digitando sempre os números
errados naquela maquininha?
Bem,
para responder isso primeiro precisamos entender o que seria “saber votar”. De
um ponto de vista estritamente pessoal, votar bem é votar igual a mim, lógico.
Quanto maiores forem as diferenças entre o meu candidato e o adversário, que
foi escolhido por outro eleitor, maior a ignorância e falta de noção do
infeliz. Afinal, como bem escreveu Descartes, o bom senso é o que há de mais
abundante no mundo. Todos o tem, e em boa quantidade: não há quem se reconheça
um idiota. Se eu sou uma pessoa de bom senso, e voto no candidato “A”, como
alguém pode votar no candidato “Z”? Que ignorante, é por culpa de gente assim que o país está desse jeito!
Parece
evidente que essa linha de raciocínio não será muito produtiva. Em vez de olhar para o “quem”, precisamos olhar os
“porquês”. Quais os fatores que influenciam o voto? Como é o processo
decisório? Haverá algum modelo melhor que os outros, fazendo com que alguns
votem “mal” e outros votem “bem”?
Pesquisas
realizadas no Brasil, desde o início da última década, indicam que o bem-estar econômico é o principal fator de influência da decisão do eleitor. Em outras
palavras, os candidatos de situação tendem a vencer quando a avaliação
positiva do governo supera 50%. Essa tendência é tão clara que é utilizada para
projeções dos institutos de pesquisa, antes mesmo de iniciada a campanha
eleitoral:
O
fato de continuar votando nos mesmos candidatos, desde que haja satisfação com
o desempenho geral do governo, indica que o eleitor brasileiro segue um padrão
de escolha preponderantemente racional. Nisso, ele não difere dos eleitores de
países desenvolvidos. Os outros elementos que influenciam no voto – ideologia, carisma
do candidato, influência dos amigos e familiares – não tem se revelado fortes o
bastante para modificar o resultado das eleições majoritárias. Por outro lado,
se o cidadão acredita que, por meio da ação direta de um determinado político,
obteve benefícios reais, é muito provável que siga votando neste político, ou
em quem quer que ele indique como candidato a sua sucessão. Nada mais racional
e esperado do que isso.
Mas,
se o critério é racional, seria de se esperar que não houvesse tanta variação
entre os resultados nos diversos estados, não é? Podemos presumir que aquelas
regiões com nível de escolaridade mais avançada tenderão a ser mais “racionais”
do que as outras, e saberão avaliar com mais propriedade o desempenho do
governo, e logo votam “melhor”. Correto?
Errado.
Trata-se de mais uma conclusão precipitada, fomentada por preconceitos de
classe, que não resiste à mínima análise crítica. A verdade é que as
necessidades e demandas de cada região do país são diferentes. Assim, o impacto
de determinada política governamental poderá ser desprezível no sul, e
monumental no norte e no nordeste. Qual o efeito disso nas eleições? Os
eleitores das regiões mais desenvolvidas, que se sentem menos favorecidos, se
inclinam para a oposição; e os eleitores das regiões menos desenvolvidas, que estão
recebendo mais benefícios do governo, naturalmente seguem votando na situação. Não
há, portanto, qualquer diferença significativa entre os processos de tomada de
decisão de cada grupo. Não há nenhum “melhor” do que o outro. O eleitor do
sul-sudeste pode se achar moral e intelectualmente superior – percebemos que
muitos “formadores de opinião” se acham mesmo. Mas seu próprio discurso revela
sua ignorância, ou má fé: o que pretendem (sem grande sucesso, até o momento) é
cooptar outros eleitores para que votem contra seus próprios interesses e benefícios,
e em favor dos "mais esclarecidos", dos "que sabem o que é melhor pra eles". Isso, sim, seria irracional.
“Tudo
bem, até aí, faz sentido. Mas continuo achando que tem coisa errada! É impossível
que não tenha gente mais honesta e preparada do que esses políticos que seguem
ganhando eleição após eleição!”
Sim,
tem muita coisa errada. Mas nada que se possa resolver apenas digitando números
diferentes na urna eletrônica, por mais que seja tentador acreditar nesse
atalho. Apenas para começar a pensar, um dos problemas do sistema
eleitoral-representativo (que por aqui costumam apelidar de democracia) é que o
eleitor só pode votar naqueles que conseguem se apresentar como candidatos. Voltaremos
ao assunto em breve.
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