“É preciso amar as pessoas
como se não houvesse amanhã...”
Porque um dia, qualquer dia, não haverá
mesmo. Ingenuamente, fingimos acreditar que morremos um pouco a cada dia.
Acompanhamos nossas taxas de colesterol, analisamos projeções de expectativa de
vida, fazemos planos para o futuro.
Tentamos esquecer que a morte nem sempre é paciente. Não satisfeita em ser
inevitável, ela também se dá o direito de ser inesperada. Pode agir lentamente, degradando nosso corpo com a passagem do tempo e o acúmulo de
doenças, ou tão rápido como a explosão de uma bomba, breve e seca
como o estalo de um pescoço se quebrando.
O ditador russo Stalin dizia que a morte
de uma pessoa é uma tragédia; a de muitas, estatística. Por mais que queiramos
negar a cínica verdade contida nessa maléfica afirmação, ela se prova com
deprimente frequência. Assistimos em tempo real a guerras que mais parecem
jogos de videogame, com a diferença, claro, de que, em algum lugar do mundo, as
pessoas estão morrendo de verdade.
Segunda-feira, 11 de agosto de 2014.
Quarta-feira, 13 de agosto de 2014. Dois dias não para esquecer, mas para nos
lembrar de que, mesmo anestesiados pela violência cotidiana, uma singela morte
ainda pode nos abalar.
Um avião cai em Santos. Sete mortos. Cada
um tem sua própria história. Todos deixam familiares, pessoas amadas, e sonhos
interrompidos. Mas hoje, e para sempre, este não será o acidente em que
morreram sete pessoas. Foi e será a tragédia que vitimou o candidato à
presidência Eduardo Campos.
Imagino, leitor, que esteja pensando que escreverei sobre Eduardo
Campos. Mas não irei fazê-lo, e por um motivo simples: o que mais há agora é gente escrevendo e falando sobre Eduardo Campos. Biografias, depoimentos, crônicas emocionadas, projeções sobre
as possíveis consequências da fatalidade na corrida presidencial (será hora
disso, aliás?). Enfim, não falarei de Eduardo, até por duvidar que possa
escrever algo diferente, ou melhor, do que muitas coisas que já estão postas,
por escribas bem mais talentosos do que eu. Ao invés, tratarei de um tema em que
não poderão me superar: eu mesmo, e as reflexões que me vieram ao longo do dia.
Pensei, sim, sobre o que pode acontecer
nas eleições. É inegável que o acaso pode mudar, mais uma vez, os destinos do
nosso país e, por tabela, de nossas próprias vidas. Vislumbrei, de relance, a
visão de futuro com que Eduardo devia sonhar, e que se foi com ele. Mas o que
realmente invadiu meus pensamentos, e deles teima em não sair, é que uma
criança de seis meses não se lembrará de ter conhecido o pai.
Sim, ele deixou mais quatro filhos. Sim,
as outras vítimas também deviam ter filhos. Não!, as vidas de pais, mães e
filhos são ceifadas aos montes, todos os dias, no mundo todo, por nada. Mesmo
sabendo de tudo isso, sigo pensando nessa criança específica, que perdeu seu
pai. Por quê?
Parte da resposta me veio facilmente.
Porque também sou pai, lógico. Um pai cheio de defeitos: perco a paciência, às
vezes sou indulgente, outras, duro demais. Dou maus exemplos, e até alguns
bons. Mas, no fim de cada dia, sei que o mais importante é que eu estou aqui,
com eles. Sempre estou, e no que depender de mim, sempre estarei. E, sem ter
conhecido Eduardo, acredito que ele também pensava assim. Até que, de repente,
não mais que de repente, não dependia mais dele. E acho que devo dizer
obrigado, por ter sido forçado a lembrar do que quero esquecer, que um dia também poderá não
depender de mim.
Mas, como já havia antecipado, isso é
apenas parte da resposta. O resto dela, ainda mais óbvio, só se revelou para
mim enquanto eu escrevia este texto. Penso em Miguel muito mais do que em
Eduardo porque a morte só faz sentido para quem está vivo. E assim, percebi que
não tenho nada a dizer sobre a morte. E que, se há algo que ela provoca em mim,
é a vontade de agigantar minha vida.
Não por coincidência, as melhores
palavras que me lembro de ter ouvido sobre a vida ecoaram de novo hoje, com a
voz que se foi na segunda, 11 de agosto, saídas de um filme que assisti há mais
de vinte anos. Carpe diem. Tornem
suas vidas extraordinárias. Até lá, vamos viver. Porque se há remédio para a escuridão
da morte, ele só pode ser a luz da vida. Façamo-la brilhar, enquanto podemos.
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