Há um ditado sempre em
voga no mercado imobiliário: é melhor ser o dono da pior casa de um bairro bom,
que da melhor casa de um bairro ruim. As pessoas, de modo geral, se comportam
de acordo com essa crença e ela se reflete nos padrões de preço do mercado. Mas
não repetimos esse tipo de comportamento em outros aspectos de nossas vidas.
Enfatizamos o aprimoramento pessoal, os interesses individuais, e nos dedicamos
muito pouco à melhoria do nosso “bairro”.
Esse modo de agir é
reflexo da sociedade que construímos e na qual precisamos viver, até que
consigamos substituí-la por algo melhor. Competitividade e individualismo são
fundamentais para alcançar o sucesso no mundo atual, seja lá o que “sucesso”
signifique. Afinal, é mais fácil mudar a si próprio do que mudar o mundo.
Solidariedade é um sentimento exótico, adormecido, cuja prática é usualmente
confundida com efetuar doações. Assim, reservamos nossa parcela de
“solidariedade” para o natal, para o “Criança Esperança” e afins. Passamos a
maior parte do tempo construindo nossas próprias “casas”, e dando muito pouca
atenção à vizinhança.
Se solidariedade é
artigo raro, alteridade é palavrão. Na ausência de identificação com o outro,
nos escondemos dele. Apreendemos o mundo, cada vez mais, a partir de nossos
preconceitos e vieses. Cercamo-nos de muros, tanto pelos de tijolos, como pelos
de ideias. E seguimos acreditando em meias verdades, até em mentiras, mas,
fundamentalmente, vivendo pela Lei de Cypher: “Ignorance is bliss”.
Mas uma das coisas que o
véu de ilusões do senso comum esconde é que construir esse tal “mundo melhor
para todos” não é apenas um singelo exercício de solidariedade. Antes, é uma
questão de autopreservação. Já aconteceu no passado, e acontecerá no futuro: um
dia, de repente, não somos mais capazes de construir muros altos e fortes o
bastante. As ideias são desgastadas e consumidas pelo tempo, assim como o vento
desbasta um monte de areia. Pois, se nada é mais forte do que uma ideia cujo
tempo é chegado, nada é mais fraco do que uma ideia cujo tempo já passou.
Se pudermos ter certeza
de alguma coisa, além da morte e dos impostos, é de que o mundo sempre caminha,
inexoravelmente, para grandes mudanças. Num passado nada remoto, a sociedade
aceitava a escravidão. Hoje, essa chaga até persiste, embalada pela ganância extrema, mas ao menos é condenada
pela moral e pelas leis. No entanto, ainda há países que consideram as mulheres
inferiores, sem os mesmos direitos que os homens. Há cinco milhões de crianças
morrendo de fome, a cada ano, num planeta que produz alimentos mais do que
suficientes para alimentar a todos. E, claro, há 1% de afortunados concentrando
40% da riqueza global.
Ainda é possível seguirmos
fechando os olhos, nos refugiando nas pílulas azuis. Ou racionalizarmos,
aceitarmos o inaceitável, nos enredando em mirabolantes teorias sociopolíticas
e macroeconômicas. Mas, entre a alienação, o cinismo, e uma tola esperança no
“mundo melhor”, prefiro a esperança. Escolho a rota mais difícil, o caminho
mais longo.
muito bom o artigo, idoso.
ResponderExcluirmatou a pau
Valeu, Barba!
Excluir