Resposta número um: Não é bem assim. Na verdade, você paga
menos do que deveria. E eu no seu lugar não estaria reclamando, vai que mais
gente descobre.
Resposta número dois: Porque você é
pobre.
Como assim, menos
do que deveria? E todas essas notícias, dizendo que a carga tributária
brasileira é altíssima? E você ainda me diz que tem gente saindo no lucro? Duvido!
Vamos aos fatos, então. A carga tributária bruta no Brasil (Arrecadação/PIB), nos anos de 2012 e 2013, oscilou em torno dos 36%.
O número realmente é
alto, se comparado com os índices de países em estágio similar de
desenvolvimento. Na América Latina, hoje, só a Argentina tem uma carga
tributária maior que a brasileira, superando os 37%.
Vamos então, sem
grandes preocupações de rigor científico, estabelecer a primeira premissa: a
carga tributária brasileira é alta mesmo.
Para firmar as
outras premissas, precisamos mirar os países da OCDE.
Em 2009, os Estados Unidos (que adotaremos como modelo) tinham a terceira menor carga tributária do grupo, em 24%, superando apenas México e Chile. Uma das menores, se não a menor carga tributária dos países desenvolvidos, considerando que México e Chile não estão no mesmo patamar das outras economias da OCDE.
Em 2009, os Estados Unidos (que adotaremos como modelo) tinham a terceira menor carga tributária do grupo, em 24%, superando apenas México e Chile. Uma das menores, se não a menor carga tributária dos países desenvolvidos, considerando que México e Chile não estão no mesmo patamar das outras economias da OCDE.
Com essa
informação, estamos prontos para definir mais algumas premissas:
Ø A carga tributária
dos Estados Unidos, é, no
mínimo, adequada. Com certeza, mais justa do que a brasileira.
Ø Seria bom se nossa
própria carga tributária despencasse uns 10 pontos percentuais, alcançando o
nível da dos norte-americanos.
Foi também com dados de 2009 que o IPEA elaborou um estudo da carga tributária brasileira x renda familiar, utilizando os dados da PNAD. Na época nosso índice bruto era de 34%, próximo o bastante dos atuais 36% para
os efeitos da análise que faremos.
O caso é que houve um estudo
idêntico nos Estados Unidos, mesmo ano base: 2009. Vamos
comparar os resultados das pesquisas, classificando as faixas de renda de
“E” (a menor) até “A”, no eixo horizontal, e formando o eixo vertical com os índices da carga tributária. As classificações do eixo horizontal não correspondem exatamente às divisões de classe social adotadas atualmente no Brasil, mas isso não atrapalha nossa análise, pois o que importa é o movimento das linhas e o seu ponto de encontro.
O que o gráfico está dizendo, ou melhor, gritando?
- Nos Estados Unidos a carga é progressiva, aumentando à medida que aumenta a renda familiar;
- No Brasil é regressiva, se reduzindo à medida que aumenta a renda familiar.
Assim, um brasileiro com renda familiar acima de R$
10.000,00 está sujeito a uma tributação menor aqui do que nos Estados Unidos. Isso,
mesmo considerando que a nossa carga bruta é bem mais alta: 34% x
24%! Claro, mais alta na média, mas não para todos: na classe “A”, o placar é de 30% para os Estados Unidos, 26%
para o Brasil.
Se de repente nosso sistema tributário fosse modificado para emular o
norte-americano, teríamos uma bela redução de tributos. Porém, as pessoas com renda familiar
acima de R$ 10.000,00 passariam a pagar mais,
e não menos impostos.
Logo, a grande distorção do sistema, mais relevante até do que o tamanho da carga, é o fato de que tem gente pagando menos do que deveria, se tivéssemos um sistema justo e racional. E esse pessoal que paga menos não é quem mais pede reforma tributária? Será que, de forma altruísta, vão se oferecer para acertar as contas?
Logo, a grande distorção do sistema, mais relevante até do que o tamanho da carga, é o fato de que tem gente pagando menos do que deveria, se tivéssemos um sistema justo e racional. E esse pessoal que paga menos não é quem mais pede reforma tributária? Será que, de forma altruísta, vão se oferecer para acertar as contas?
Opa, um instante. Eis que surge o bem informado leitor assíduo de certa revista semanal que, por coincidência, tem o mérito (ou seria sorte?) de ter nascido numa família abastada, e protesta:
“Essa comparação não é justa! Podemos até pagar, proporcionalmente, um pouco mais. Só que o retorno dos impostos pra sociedade lá é muito maior do que aqui!”
Sério? E quem precisa mais da ação efetiva do Estado, os
mais pobres ou os mais ricos? Não é difícil concluir que, novamente, a conta
mais cara e mais amarga sobra para o andar de baixo. Sobra para quem já é tungado por um
sistema tributário perverso, que consome 50% da sua renda para “compensar”
cobrando menos de 30% dos poucos bem afortunados. E, na maioria das vezes não
tem acesso sequer aos serviços públicos essenciais: saneamento, saúde pública,
transporte, educação, energia elétrica. Lazer, então? Pra que lazer? Esse povo tem mais é que trabalhar!
A característica regressiva do nosso sistema tributário é
mesmo exótica. Contraria a Constituição, onde está escrito que os
impostos, sempre que possível (opa,
quem foi o sacana que colocou essa expressão no texto?) deverão ser graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte. Contraria a boa prática
capitalista, como prova o exemplo dos Estados Unidos. Contraria as práticas do Welfare State, pois os países
escandinavos, claro, também adotam um sistema progressivo. Evidentemente,
essa leniência com o grande capital também não deve ter sido inspirada em Marx.
Para quem serve, então, esse sistema? Só pode servir
mesmo pro Brasil!
Principais referências: Citizens for Tax Justice, IBPT, e o excelente blog O caderno de Patrick.
Principais referências: Citizens for Tax Justice, IBPT, e o excelente blog O caderno de Patrick.
Glauco, parabéns pelas crônicas!
ResponderExcluirA cada dia acompanho com mais assiduidade.
Obrigado! Vou tentar continuar escrevendo pelo menos uma por semana.
ResponderExcluir