(Luís Roberto Barroso, Ministro do
STF, no dia 21/02/2014, na PUC/SP)
Quem diria, aparentemente não sou o único a pensar que
o sistema político brasileiro se assemelha a uma plutocracia.
Para quem não domina o conceito, segue uma breve
definição: a plutocracia é um sistema de governo no qual o poder é exercido
pelos mais ricos. Uma das consequências lógicas desse sistema é a acentuada
desigualdade social.
Há, pelo menos, duas maneiras de identificar a presença
da plutocracia no Brasil. O primeiro caminho é teórico. Passa
pela análise da estrutura do sistema, e das barreiras que ele impõe. Quem tiver
interesse em seguir por esse método, sugiro que estude a legislação partidária,
em especial os critérios para formação de partidos, a regra do quociente
eleitoral, os modelos (até agora) de financiamento das campanhas. Concluirá,
por si só, que temos um sistema que serve aos políticos melhor do que serve à
política.
Seguiremos, todavia, pelo segundo caminho, mais simples
e direto: a análise de evidências.
Primeira evidência: custa caro ser candidato no Brasil,
e mais caro ainda ganhar as eleições. O custo médio de campanha dos deputados federais
eleitos em 2010 foi de aproximadamente um milhão de reais, isso considerando
apenas os valores declarados à Justiça Eleitoral. E a tendência é de alta: estima-se que nas eleições de
2014 uma cadeira na Câmara poderá custar até 5 milhões de reais!
A segunda evidência decorre diretamente da primeira: a
composição atual do Congresso Nacional. Vale a observação de que a soma dos
números do gráfico supera as vagas do Congresso porque muitos podem estar
classificados em duas ou mais categorias, já que elas não são necessariamente
excludentes:
Vamos pensar sobre o que nos diz este gráfico. O mínimo que se espera,
numa democracia representativa, é que os cidadãos estejam, de fato,
representados. O Congresso Nacional deveria ser, em menor escala, um retrato da
sociedade, com representação o mais equitativa possível de cada grupo de
interesse. Constataremos, todavia, que alguns grupos estão representados em
números muito mais expressivos do que outros:
- O eleitorado total do Brasil é de aproximadamente 140 milhões;
- Em meados de 2012, havia mais de 70 milhões de trabalhadores formais no país;
- Logo, 50% do eleitorado se compõe de trabalhadores assalariados.
- Cabe aos Sindicatos representar os trabalhadores. Pois lá estão eles no Congresso: 91 cadeiras, de um total de 594 (513 deputados, e 81 senadores). A representação equitativa dos trabalhadores, portanto, é por volta de 15%, embora eles representem, em número, 50% do eleitorado.
Vejamos. O grupo com maior número de representantes é o
empresariado: 273, ou 46% do Congresso. Nosso povo deve ser muito empreendedor.
De fato, em 2009, quando foi feita a PNAD, havia quase 24 milhões de empresários no Brasil. Pesquisas recentes estimam que o número já chegue a 27 milhões. Como não estamos preocupados com miudezas, vamos utilizar o segundo
número: 27/140 = 19%.
Logo, o sofrido empresário brasileiro tem um fio de
esperança: embora eles representem menos de 20% da população, quase metade do
Congresso está pronto a se mobilizar em defesa dos seus interesses.
Quem tiver estômago para fazer os cálculos para a
bancada ruralista, favor guardar segredo.
Um momento, isso não é suficiente. Afinal, os representantes podem ser classificados em mais de um grupo.
Assim, o fato de ser empresário não significa que ele estará no Congresso
defendendo apenas, ou fundamentalmente, os empresários. Ele pode ser um pequeno empresário, com interesses mais
próximos dos trabalhadores do que os próprios sindicalistas. Os dados não são
conclusivos. Há prova real de favorecimento dessa suposta “classe dominante”?
A pergunta faz sentido. Vamos então para a terceira
evidência: benefícios efetivos para os mais abastados, decorrentes de ações dos
três poderes da República.
Já tratamos, aqui no blog, sobre a regressividade do
sistema tributário brasileiro. Neste próprio artigo, demonstramos que é necessário investir um montante considerável de capital para
ter chances de sucesso na política. Iremos além, com exemplos ainda mais peculiares.
Um meliante que pula o muro de uma casa e rouba um
aparelho de televisão comete furto qualificado, e poderá ser condenado à
reclusão de dois a oito anos. Já um empresário que sonegar, de forma
fraudulenta e contumaz, milhões de reais, estará sujeito a uma pena de dois a cinco anos. Isso, ainda, supondo que o nosso Poder Judiciário
encarasse da mesma maneira os crimes “comuns” e os de colarinho branco, se
ricos e pobres fossem julgados objetivamente. Na verdade, as coisas acontecem
mais ou menos assim:
Já passamos pelo Legislativo e pelo Judiciário,
falta uma ajudinha do Executivo. Não seja por isso: o crédito mais barato do
Brasil é oferecido aos empresários, via BNDES.
A instituição inclusive parece se orgulhar de ter a maior parte de sua
carteira formada por grandes empresas:
As coitadas pagam escorchantes juros
básicos de 5% ao ano, mais taxa de risco de crédito e remuneração do BNDES.
Essas duas taxas são fixadas caso a caso pelo banco. Apenas como exemplo, no
leilão de Belo Monte o custo total foi inferior a 9%.
O cidadão comum, por sua vez, a menos que
tenha condições de pegar as sobras do BNDES (linhas direcionadas para pessoas físicas),
paga quase 40% ao ano. Mesmo as taxas de crédito imobiliário são, em média,
superiores às praticadas pelo BNDES. Tudo bem, afinal, ele empresta pra quem mais precisa!
Quem achou que foram poucos exemplos, garanto que houve seletividade, para não alongar demais o texto. Quem procurar, achará o suficiente para encher uma enciclopédia.
Mas ainda não basta. Vamos para a quarta evidência, sem
a qual não poderíamos caracterizar a plutocracia: acentuada desigualdade
social.
Recapitulando: não vivemos efetivamente em uma
democracia, pois quem exerce o poder de fato não é o povo, mas sim os donos do dinheiro.
O poder econômico os conduz aos cargos políticos, onde, naturalmente, fazem
leis para preservar seus próprios interesses, perpetuando as inconsistências e
a desigualdade social. Não podemos fugir desse ciclo simplesmente votando em
“outros”, porque as candidaturas que não tem suporte de capital se revelam inviáveis, não conseguindo sequer comunicar ao eleitor sua
existência, que dirá vencer eleições. Diante desse quadro, será que a melhor
saída para o Brasil é mesmo o aeroporto?
Não creio. Na verdade, quanto mais pesquiso e escrevo
sobre o país, mais me convenço de que os problemas são tão evidentes, que a
maioria deles pode ser combatida com relativa facilidade, e por diferentes
caminhos. Claro, se tivéssemos vontade de resolvê-los.
“Se você conhece o
inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se
você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá
também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá
todas as batalhas.”
Sun
Tzu, A arte da guerra
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