sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DÁ PRA TIRAR ESSE DEDO DA MINHA CARA?


Um dos fenômenos mais interessantes da net é a replicação viral. Lembro de um comercial, nos idos de 2012, que em poucos dias se tornou “hit” nacional. Todos que assistiam compartilhavam, e o vídeo se espalhou como uma nuvem de gafanhotos. Só quem não compartilhou foi a Luíza, que estava no Canadá.

Os virais motivados pelo humor involuntário são divertidos e inofensivos. Mas e quando disseminam ideologias perversas, disfarçadas de lição de moral? Já vi pessoas sensatas (definindo sensato: que geralmente tem opiniões semelhantes às minhas) compartilhando e elogiando essa foto-bobagem aí de cima. Se duvidar, até eu posso ter, distraidamente, caído no golpe. Sim, golpe, porque o que o cartoludo está vendendo é uma senhora falácia, modelo falácia causal 2.0. Além da pretensa relação de causa e efeito ser totalmente mentirosa, a maioria, se não a totalidade, das supostas causas também se apoiam em falácias.

Talvez seja conveniente pontuar que falácia não é uma simples mentira: é um raciocínio errado, ilógico, mas que aparenta ser verdadeiro. Quem se interessar em saber mais, pode ler aqui. Mas, em resumo, falácia é uma mentira muito bem contada.

O texto emoldurado pelo Tio Sam à brasileira é uma prova de como as falácias podem ser poderosas. O primeiro instinto da maioria das pessoas é concordar, e clicar logo no "curtir" e "compartilhar". Mas basta parar e analisar as citações para perceber a farsa.

Vamos começar pelo título. “O problema são os políticos? NÃO” já é uma chamada à desmobilização, uma tentativa descarada de “aliviar” a nossa sofrida classe política. Ficou tão forçado que há uma variação da montagem consertando o início, dizendo que os políticos são um problema, mas não o único.
           
A premissa corrigida até aumenta o poder de convencimento. Mas, mesmo se a adotarmos, aceitando que os políticos não são os únicos culpados, o que é perfeitamente razoável, a relação causal permanece sendo falaciosa.
           
Vamos lá: a culpa é sua porque você... não quer estudar! Nossa, é mesmo. Quem não estuda, não sobe na vida. Se esses vagabundos todos estudassem, o país seria bem melhor. Está muito certo, não está?

Bem, eu digo que o brasileiro quer estudar sim, especialmente o pobre. Quer tanto, que às vezes até consegue. Mas, apesar dos avanços das últimas duas décadas, ainda temos um déficit superior a um milhão de vagas apenas na pré-escola. Isso sem falar na grande valorização dos professores e da excelência da nossa rede pública. De fato, só não estuda quem não quer. A imprensa cansa de noticiar isso: no Amazonas, em Pernambuco, no Distrito Federal, e até em São Paulo!

Tudo bem, vá lá, realmente o Brasil tem problemas na área de educação. Mas, vai dizer que não é verdade que o povo não gosta de trabalhar?

Os fatos, esses chatos: o trabalhador brasileiro tem jornadas mais longas que aqueles que laboram em países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Alemanha, por exemplo. E ganha muito menos. Ainda assim, os índices de satisfação e engajamento no trabalho estão acima da média global. SÉRIO? Não, estou inventando. Arranjei até uns cúmplices:




Agora, a melhor de todas é “quer ser sustentado pelo bolsa-família”. Verdade, quem nunca sonhou em ficar o mês inteiro à toa, com a única preocupação de resolver onde gastar a fantástica soma de R$ 97,00 que o governo deu de graça? Pena que não existia isso quando eu era adolescente, com a garantia de uma renda dessas nem teria entrado na faculdade.

Claro que, para quem vive se dando bem com “tudo isso que está aí”, nada melhor do que convencer o povão de que a culpa pelo sofrimento que passa é dele próprio. É duro ser brasileiro fora da parte de cima da pirâmide. Trabalha muito, ganha pouco, não tem as contrapartidas mais básicas do Estado, e ainda precisa aturar esses desaforos. Folga no final de semana, Zé povinho? Churrasco na laje escutando funk e pagode? Assistindo futebol? Aceitando benefício do governo? Deixa de ser preguiçoso e vai pegar no batente que tem gente precisando enriquecer mais às suas custas.

Pois eu, da próxima vez que o Tio Sam me apontar o dedo, vou cantar a realidade pra ele:



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