Esse ano decidi
assistir ao menos 50 filmes. Daí eu pensei, e se uma pessoa que nunca viu filme
algum me pedisse para escolher 50 filmes para sua própria lista anual?
Ninguém pediu, mas
escolhi mesmo assim. Não são “os melhores” filmes da história, até porque não
tenho gabarito técnico para avaliar cinema, e há muitos clássicos
inquestionáveis que nem sequer assisti; tampouco são os que gosto mais, deixei
de fora várias obras que adoro, mas que não recomendaria para uma pessoa
aleatória (principalmente, filmes de super heróis e ficção). Mas é uma lista
que, espero, representa um pouco do melhor que o cinema nos oferece, algumas preciosidades que povoam nossos pensamentos por anos ou décadas, que nos tornam mais humanos – ou apenas, e pelo menos, mais felizes por algumas horas.
Categoria
1: PURO ENTRETENIMENTO
De Volta para o Futuro
ET
Goonies
Curtindo a vida adoidado
Clube dos Cinco
O Grande Truque
Indiana Jones e os caçadores da arca
perdida
Caçadores de Emoção
Categoria
2: CLÁSSICOS
Coração Valente
Um sonho de liberdade
Cidadão Kane
Pulp Fiction
Superman
Psicose
Os pássaros
12 homens e uma sentença
O resgate do soldado Ryan
Os Imperdoáveis
Clube da Luta
Blade Runner
Platoon
Interestelar
Matrix
Era uma vez no Oeste
Categoria
3: ÉPICOS
Guerra nas Estrelas
O Poderoso Chefão
O Senhor dos Anéis
(Mas qual a diferença
entre clássicos e épicos? Mas é óbvio, os épicos são trilogias, que só se
completam assistindo tudo. Ah, mas Matrix virou uma trilogia também! Guerra nas
Estrelas tem uns 12 filmes! Pois é, ninguém merece se lembrar dessas coisas...)
Categoria
4: FILMES QUE TEM ALGO A DIZER
(Ainda que a maioria vá fazer você se
sentir mal)
A lista de Schindler
Coringa
Parasita
Cidade de Deus
Tropa de Elite
As vantagens de ser invisível
A vida é bela
O pianista
Terra e Liberdade
Réquiem para um Sonho
Trainspotting
Brilho eterno de uma mente sem
lembranças
12 anos de escravidão
Sociedade dos Poetas Mortos
Spotlight
Conta comigo
Uma mente brilhante
Gênio Indomável
Categoria
5: ANIMAÇÕES
Toy Story (pelo menos até o 3)
O Rei Leão
Viva! A vida é uma festa
Categoria
6: TODO O RESTO
Fargo
O Grande Lebowski
Sim, trilogias de verdade contam como um
filme só. São 50 e pronto.
Como faixa bônus, uma
das melhores cenas com música que já vi num filme (e o resto do filme também é
muito bom, ainda que não tenha entrado nessa pequena lista):
Uma das séries que assisto a conta gotas é “The Tudors”.
As sinopses usualmente a classificam como “drama histórico”. Remeter a
acontecimentos do século XVI já traz uma grande vantagem, não precisamos nos
preocupar muito com spoilers. Mas se
fosse eu a anunciar a série, diria que é uma história sobre como pessoas sem
limites e incapazes de lidar com frustrações podem fazer estragos memoráveis,
ainda que estejam imbuídos de convicção de que cumprem algo como uma missão
divina.
O personagem principal é o lendário monarca da Inglaterra, Enrique VIII. No começo da história, o Rei suporta um tradicional casamento de
conveniência, ao mesmo tempo em que coleciona amantes e inimigos por toda a
Europa – geralmente nessa ordem, porque ele sabia priorizar. Uma dessas
amantes, Ana Bolena, mesclando seus admiráveis atributos estéticos e o
crescente descontentamento do Rei com o fato da esposa não lhe ter “dado” um
filho varão (incapaz de lidar com frustrações, lembram?), consegue induzi-lo a
cometer a maior das insanidades, um segundo casamento!
Nos dias de hoje, apesar da grande atenção que os
tablóides ainda dispensam à decorativa família real, talvez tudo fosse
relativamente fácil. Mas no século XVI, ah, a sociedade era muito conservadora,
tudo bem o Rei ter doze amantes em cada corte do mapa, mas divórcio, jamais!
Enrique, porém, era criativo, e simplesmente declarou que não estava se
divorciando, mas que seu casamento nunca existira. Ele era o Rei, afinal. Quem
poderia desdizer qualquer coisa que ele dissesse?
Bem, como sua esposa também era Rainha e filha de Rei,
alguns até tentaram. O bispo inglês e o Papa se recusaram a declarar a nulidade
do casamento. Nenhum problema, Enrique separou o país da Igreja Católica,
decapitou o bispo insubordinado, se declarou chefe da Igreja na Inglaterra e
nomeou um novo bispo biônico. Tudo resolvido, certo?
Quem dera! Infelizmente a nova Rainha, depois de cinco
anos de casamento, também não conseguira gerar o desejado varão. Enrique se
convenceu então de que ela o traíra com uma imensa quantidade de homens,
mantendo inclusive uma relação incestuosa com o próprio irmão (UAUU!). Após
algumas prisões e torturas, surgiram as esperadas confissões. Munido de
provas incontestáveis da traição, Enrique mandou cortar a cabeça da Rainha, do
irmão da Rainha, e de mais um monte de gente. Hum, devia colocar também na
minha sinopse que ele tinha uma certa tara por separar cabeças de seus corpos.
Enfim, há quem diga que talvez Ana tenha mesmo traído o
Rei. A moça não passou para a história com a melhor das imagens. Nunca
saberemos toda a verdade, mas parece certo que, tivesse ela passado suas noites
com todos os cavalariços de Whitehall ou ajoelhada em contrição e orações,
teria sido decapitada da mesma maneira.
Antes mesmo da cabeça da suposta atleta sexual rolar
pelas calçadas de Londres, o Rei já teria escolhido sua nova Rainha. Boateiros
maldosos chegam a sustentar que decidira se livrar da antiga esposa para tomar
uma nova antes até de inventar, oops, tomar conhecimento das traições de Ana
Bolena, e teria deliberado previamente todos os passos do “julgamento” da Rainha
Ana. Pessoalmente, acho essa teoria um tanto fantasiosa. Só porque ele se casou
logo depois de mandar decapitar a ex-esposa? Coincidências acontecem. E quem
pode prever ou controlar os caminhos do coração, da política, ou de qualquer
faceta do destino dos homens e das nações?
Parei de assistir quando cortaram a cabeça de Ana Bolena.
Mas a história até esse ponto já me fez perceber que injustiça cometemos
quando, ao celebrarmos conquistas civilizatórias como a separação de poderes, o
devido processo legal, o juiz natural, lembramos de Montesquieu, Kelsen,
Hobbes, e de tantos outros filósofos e juristas, mas esquecemos de pessoas como
Enrique VIII, que dedicaram suas vidas a demonstrar, na prática, por que essas
garantias são tão importantes.
Ah, claro, importantes só para proteger pessoinhas
desprezíveis. Porque nós, cidadãos de bem, jamais cometeríamos um ato tão vil
como adultério incestuoso. Só precisamos nos preocupar em descobrir a hora das
execuções, e então nos divertir com as cabeças rolando pelas calçadas.
Apesar de a rede social insistir para escrevermos porque “tantas pessoas não tem notícias há algum tempo’, ninguém deve andar querendo realmente notícias desse espaço; afinal, se as quisessem,
pediriam!
Mesmo assim resolvi publicar, porque as
eleições se aproximam, e após alguma reflexão, com a valiosa ajuda das
inovadoras ferramentas de “match” eleitoral, descobri as pautas que mais
valorizo no momento, consegui ordená-las (conforme minha escala pessoal de
valores, claro) e assim me orientar na espinhosa missão de escolher
candidatos. Quem achar esse método interessante, poderá utilizá-lo, definindo
sua própria lista de prioridades. E quem já tiver outro método, ao menos poderá
fazer o favor de me poupar de infindáveis questionamentos sobre “por que não
esse”, “por que não aquele”? Leia a lista, por gentileza, e estamos
conversados.
Sem mais delongas, defini como primeiro item para
escolher ou rejeitar candidatos a defesa
dos direitos humanos e das minorias. Até ouço dizer que há quem se sinta
discriminado com programas sociais ou leis voltadas para setores específicos da
sociedade, e admito que possa haver exageros e reparos a fazer em algumas políticas
públicas afirmativas. Mas como homem branco heterossexual de classe média que
estudou em colégio particular e universidade pública, realmente não consigo me
sentir oprimido o bastante para pedir mais direitos e privilégios para mim
mesmo. Se mantiver o que possuo, já estarei mais do que satisfeito.
O segundo item é o fortalecimento
da democracia, da cidadania e das instituições. Confesso que na eleição
majoritária fica mais difícil achar quem nos dê alguma esperança nesse item, e
se torna um jogo de eliminação. Nas proporcionais, contudo, há diversos
candidatos com histórico positivo e propostas que miram, ao menos em tese, o
aumento da participação popular nas decisões do Estado, o efetivo funcionamento
dos freios e contrapesos dos três poderes, e a autonomia das carreiras de Estado
para que possam seguir combatendo os desmandos dos políticos.
Em terceiro, a necessidade de renovação do quadro político. Claro que esse princípio deve ser
relativizado para não punir bons candidatos; se o político escolhido fez jus ao
mandato, não há porque não renová-lo. Mas via de regra, se queremos mudanças,
não faz sentido votarmos nas mesmas pessoas.
Pela mesma lógica, precisamos de candidatos progressistas ereformistas. Se o ser humano fosse por natureza conservador, ainda
estaríamos vivendo em cavernas. Até entendo a atração pelo conservadorismo em
países de alto IDH, mas o que tanto se almeja conservar na sociedade
brasileira? Temos um sistema político podre, uma legislação tributária
invertida e caótica, índices tenebrosos de educação e saúde, desigualdades sociais
profundas. Logo precisamos de reformas, e não só daquelas que retiram direitos,
como a trabalhista e a previdenciária, mas principalmente das que possam modificar
a estrutura do país, como a reforma política.
E a defesa do estado laico? E educação, saúde, segurança,
emprego, justiça social? E o combate à corrupção? E a defesa dos interesses individuais? Sou
servidor, não vou votar em quem quer desmontar o Estado! Sou empresário, não vou
votar em quem proponha aumento de impostos! Nada de errado em pensar em si
próprio, todos fazemos isso. E podemos fazê-lo com a consciência mais tranquila
depois que ordenamos nossas prioridades, quaisquer que elas sejam.
É muito difícil, infelizmente, termos esperança em decisões
racionais quando mais uma vez temos um quadro altamente polarizado, em que
ambos os “lados” acreditam piamente estarem numa batalha do bem contra o mal.
E tão preocupados em liquidar um ao outro não percebemos que, ao fim, liquidados
estaremos todos nós.
Estabelecer critérios objetivos foi o melhor que pude
fazer por mim mesmo para tentar fugir dessa lógica de fratricídio. E que, daqui
a quatro anos, tenhamos perspectivas melhores do que apenas tentar evitar uma
guerra civil e o colapso absoluto da República.
Nem quando atualizava o blog semanalmente conseguia dar
conta sequer de uma mínima fração dos acontecimentos que, por sua efetiva
relevância ou bizarra peculiaridade, mereciam mais uns quinze
segundos de fama. Agora, com publicações menos que esporádicas, é como se o
mundo girasse tão rápido que, quando penso nas notícias de hoje, já é depois de
amanhã. Mas ontem aconteceu tanta coisa, que
desta vez não resisti a escrever pelo menos umas poucas linhas sobre cada uma
delas.
A estrelinha de natal ainda brilhava quando estourou o
grande escândalo da milionária lista de mantimentos do avião presidencial. A
licitação foi cancelada tão rápido, e tão rápido passamos para outro assunto,
que nem rolou tanto sangue entre o pessoal do “o Lula também comprava Nutella”,
os revoltados do fundão que bradavam “prendam todos”, e a galerinha que tirava
sarro denunciando que a Häagen-Dazs também é do
filho do Lula. Estou tão atrasado que só direi isto: coitado do
decorativo, mais de quinhentos anos de esbórnia e quando chega a vez dele não
pode comprar nem um sorvetinho.
Os outros fatos são muito mais sérios, e não se prestam a
piadas. Na verdade, deviam estar em outro texto. Mas vão ficar aqui mesmo.
Dois indivíduos agridem com os próprios pés e punhos, até
a morte, um camelô. O motivo? O ambulante interferiu quando eles iriam agredir com
os próprios pés e punhos, provavelmente até a morte, um travesti. E porque eles
queriam espancar o travesti? Porque o travesti tentou roubar o celular deles,
disse um. Porque o travesti reclamou que eles estavam fazendo necessidades no
meio da rua, corrige outro. Por nada, eles só odeiam travestis, dizem as
faixas. Mas no fim quem morreu foi o ambulante, que não tinha feito nenhuma
dessas coisas, nem era travesti. E um dos matadores diz que “não era uma má
pessoa” e estava arrependido por ter matado um “cidadão de bem”. Nem ensaiando o
discurso de remorso conseguiu esconder que, se existe de fato algum
arrependimento, foi só por ter errado o alvo.
Na noite de 31 de dezembro, um alucinado mata doze
pessoas, incluindo o próprio filho de oito anos. Antes mesmo dos corpos esfriarem a imprensa divulga uma carta póstuma do louco que é um pot-pourri dos pensamentos profundos
dessa gente bronzeada que vocifera contra “tudo isso que está aí”: ódio das
mulheres, dos políticos, dos impostos, da corrupção, dos bandidos. Muita raiva
dos bandidos, porque ele também era uma boa pessoa, igual o espancador do
travesti e do camelô, um “cidadão de bem”. E toca gente a dizer que a culpa é da
onda neofascista, e outros a negar; “com certeza” ele já era insano antes.
E para uma meia dúzia ele não podia ter uma arma, para duas
dúzias todo mundo na festa deveria ter uma arma (aliás, Westworld é bem legal),
e acho que ouvi até um pastor aí dizendo que foi o demônio. E no fim tudo que
restou foram corpos empilhados por uma criatura atormentada que odiava a si
mesmo mais do que a tudo.
E acredito, de verdade, que por alguns instantes o mundo
todo ficou triste, somente triste, e pensando que não vale a pena sentir tanto
ódio, e todos nos lembramos juntos de algum belo pensamento budista ou de uma música do John
Lennon. Mas foi por tão poucos instantes, que quando me dei conta as pessoas já estavam com raiva de novo. Com tanta raiva que abrem um sorriso quando chegam
notícias de mais e mais mortes, claro, desde que os mortos não sejam “cidadãos
de bem”.
Acham que estou falando do “acidente” no presídio do
Amazonas? Sinto, ainda não cheguei em 2017. Mas se a humanidade continua tão
desumana, não me surpreende que o futuro continue a repetir o passado.
O governador de São Paulo assinou no dia 23/11 autorização para que o Movimento Brasil Competitivo (MBC)
inicie um trabalho no estado com os objetivos de “melhorar a
eficiência na arrecadação e combater a sonegação”.
Curiosamente, a autorização de Alckmin para
que o MBC inicie sua “colaboração” veio exatamente um dia depois do Rio Grande
do Sul decretar estado de calamidade financeira. O que tem uma coisa a ver com
a outra? Em 21/05/2015 o Rio Grande do Sul anunciou com pompa um “Acordo de Resultados” que definia as prioridades do governo
para o próximo exercício, e que fora elaborado com o auxílio do... MBC.
Não devemos, porém, concluir apressadamente
que se o MBC não ajudou (até agora) o Rio Grande
do Sul não possa ajudar São Paulo. Pelo menos não sem antes entender que
organização é essa.
O MBC é uma associação sem fins lucrativos (claro...),
de interesse público, que tem como missão “promover a competitividade
sustentável do Brasil elevando a qualidade de vida da população”. Dentre os
seus apoiadores figuram empresas como Ericsson, Natura, Suzano e Gerdau. Aliás,
o presidente do Conselho Superior do MBC é Jorge
Gerdau.
Em resumo, o MBC aglutinou grandes grupos
empresariais do país, que cedem recursos humanos e materiais
para colaborar com a gestão pública, provavelmente imaginando que, em
breve, seu trabalho ajudará a construir um ambiente de negócios mais próspero,
com benefícios para toda a sociedade. Esta é uma dedução razoável, com base nos
objetivos declarados pelo próprio grupo.
E assim Alckmin se encanta com o MBC
e, após tomar conhecimento (ou não) do apoio que prestaram a outros
estados (como o Rio Grande do Sul), resolve convidá-los para “melhorar a
eficiência na arrecadação”. Em português coloquial, aumentar a receita de
impostos.
Agora é que a coisa começa a se complicar.
Será que os associados do MBC querem pagar mais impostos? Pensariam eles que o
caminho para a “competitividade sustentável” passa por transferir ainda mais
recursos do setor produtivo para o Estado? Será possível que essas empresas, por
sinal contribuintes do ICMS, imposto que responde por mais de 80% da receita do
estado de São Paulo, estejam interessadas em ajudar o governo a tirar mais
dinheiro delas?
Ah, mas esperem que em seguida o governador
completa: “evitar sonegação, que é uma concorrência desleal”.
Agora sim! As empresas associadas ao MBC com
certeza são fiéis cumpridoras das obrigações tributárias, e sofrem com a
concorrência desleal dos que não pagam seus impostos. Agem portanto para
proteger os próprios interesses (que neste caso se alinham ao interesse
público) quando se unem ao Estado no combate aos sonegadores.
É uma boa história, e até poderíamos comprá-la
se o grupo Gerdau não tivesse sido outro dia mesmo condenado pelo CARF (Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) a devolver aos cofres públicos 4 bilhões de
reais. Vamos relevar esse pequeno deslize? Afinal, qualquer um é passível de
erro, e a legislação tributária é mesmo muito complexa. Mas será que podemos
relevar também o fato do presidente da Gerdau ter sido indiciado pela Polícia
Federal na Operação Zelotes pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva
e lavagem de dinheiro?
Melhor passar para outro tópico. O primeiro diagnóstico a
ser realizado pelo MBC será sobre os processos de cobrança da Sefaz e da Procuradoria
Geral do Estado (PGE). Excelentes intenções, melhor recuperar os créditos já
constituídos e não pagos do que aumentar a carga de impostos sobre os bons
contribuintes. Não obstante, os associados do MBC colaborariam mais efetivamente
com a PGE se apenas liquidassem os débitos milionários de sua responsabilidade
já inscritos em Dívida Ativa. Acreditaria Alckmin que eles vão auxiliar a PGE a
cobrar com mais eficiência suas próprias dívidas? Seguindo essa lógica, talvez
a próxima iniciativa do governador seja colher sugestões de criminosos
condenados para melhorar a eficiência da persecução penal.
Pausa: Quem ficou curioso para saber se essas empresas realmente
estão em débito com o estado de São Paulo, as informações são públicas e fáceis
de acessar: consultem a lista de associados do MBC, depois encontrem os CNPJs
base com auxílio do Google, em seguida consultem os débitos inscritos no site
da PGE. Podem começar pelas quatro que citei de exemplo lá no início do texto. Fim da pausa.
Mas, se não o gosto pelo auto suplício, qual poderia ser o interesse do MBC nesse acordo de “colaboração”?
Quanto a isso, podemos apenas especular. Benefício pecuniário direto não há, porque o acordo não envolve a transferência de
recursos financeiros. Envolve, porém, o compartilhamento de informações. Os “dados”
de que o MBC necessita para fazer seus diagnósticos são informações econômicas reais, protegidas, em tese, pelo sigilo fiscal. Será que os demais contribuintes do estado, não ligados ao
MBC, concordam em compartilhar suas informações? Os dados
disponibilizados seriam suficientes para que os associados do MBC adquiram
informações privilegiadas sobre o mercado, ganhando assim vantagem
concorrencial? Ou qualquer abertura de informação obedecerá a mais estrita
legalidade, e não será hábil a propiciar qualquer vantagem econômica?
Devemos supor que o governo não será
irresponsável ao ponto de cometer uma ilegalidade de tal porte, e que o MBC não
terá benefícios por acessar essas informações. Só nos resta, portanto, a
hipótese do interesse genuíno de colaborar com a sociedade, entregando os
resultados prometidos: “apontamento de oportunidades identificadas para aprimoramento
da situação atual diagnosticada”. Em português coloquial, indicar para onde a
Administração Tributária deverá apontar suas armas.
Enfim, chegamos a uma motivação lógica para o suposto altruísmo
do MBC. Que empresário não gostaria de indicar que as melhores “oportunidades”
para a fiscalização estão na porta ao lado, e nunca na sua própria?
Ou talvez, como parece acreditar Alckmin, o
que eles realmente desejam é pagar mais impostos, serem fiscalizados com mais
severidade, e saírem derrotados em todos os processos de execução fiscal que
enfrentam ou que venham a enfrentar.
Causou alvoroço na corrida eleitoral em São Paulo o
contraste entre o discurso e a prática do candidato do PSDB: dono de discurso
inflamado contra os movimentos sociais de ocupação, ou “invasores”, Doria se
viu em maus lençóis quando foi revelado que ele próprio ocupava (invadiu?) irregularmente um terreno em Campos do Jordão, mesmo após decisão judicial determinando
sua devolução ao município.
Fosse mera hipocrisia, o problema estaria resolvido por
aí. Nada mais normal do que um político com múltiplas faces. Porém, o caso
remete a uma distorção ainda mais profunda, que é a legítima crença de que a
lei no Brasil não pode ser igual para todos.
Não culpemos o candidato por acreditar nisso – até porque
a crença é verdadeira. Tampouco deve causar surpresa a “revelação” de que o
sistema legal protege os mais favorecidos; afinal, o poder econômico e o poder político
no Brasil sempre viveram em simbiose. Estranho seria se quem detém esse poder
aprovasse leis prejudiciais a si mesmos.
O que nos resta, portanto, é pensar nos porquês. Por que os
desfavorecidos aceitam a perpetuação das injustiças? E mais do que aceitar,
muitas vezes a legitimam, como poderemos comprovar no domingo pelos milhões de
votos que ganhará o candidato que sabe que a palavra “justiça” para ele não tem o
mesmo significado que tem para um sem-teto.
A pergunta rende possibilidades variadas de resposta, a
depender da ideologia de quem retrucar. Há até quem acredite que é assim mesmo
que tem que ser, e afirme a plenos pulmões o retrógrado conceito da
“igualdade” que trata igualmente os desiguais, ou da “meritocracia” em que 1%
da população larga com dez voltas na frente dos outros 99%.
Pretendendo, porém, fugir da ideologia, afirmemos um
ponto mais pacífico: se alguém é prejudicado sempre, e não reage, grande parcela da responsabilidade
recai na sua própria apatia. E essa apatia nasce da ignorância sobre sua real
condição.
A bandeira da educação é antiga, e (quase) unânime. Mas,
sem prejuízo da matemática, o grande salto depende de educação para a
cidadania. E por mais difícil que seja combater uma doença quando os “remédios”
são receitados pelos próprios agentes infecciosos, começa a se impor o desejo da sociedade por mais
participação política, por consciência plena dos seus direitos e deveres. E,
apesar de todas as forças em contrário, nada é mais forte do que uma
ideia cujo tempo chegou.
Como no rompimento de uma represa que já suportou pressão
demais, surgem por todo o país campanhas que buscam conscientizar, mobilizar, promover
a tal “educação para a cidadania” e, com o apoio da sociedade, conquistar
avanços efetivos na busca da igualdade de todos perante a lei.
Gostaria de destacar apenas duas iniciativas, que ilustram muito
bem um dos atuais focos de desigualdade: a injustiça fiscal, que se revela com clareza na
regressividade do nosso sistema tributário.
“Quanto custa o Brasil” é o tema da campanha do Sinprofaz,
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda, que tem o objetivo de “conscientizar a população brasileira sobre a urgente
necessidade de mudanças no sistema tributário e levar ao Congresso Nacional
propostas de reforma tributária”.
Já a campanha “Pobrepagamais” denuncia a seletividade
inversa do ICMS no estado de São Paulo: além do imposto, por sua própria
natureza, pesar proporcionalmente mais sobre quem tem menor renda, as alíquotas
de muitos produtos básicos em São Paulo são mais altas que as de alguns produtos supérfluos. A
iniciativa é do Sindicato dos Agentes Fiscais do Estado de São Paulo (SINAFRESP).
Essas campanhas nascem do exercício da cidadania de servidores
públicos que possuem muita, mas muita vontade de mudar o país. E que estão
fazendo aquilo que políticos aferrados aos interesses dos grupos que se
beneficiam das injustiças do sistema jamais farão:
trabalhando em prol do bem comum, única razão legítima para a própria
existência do Estado.
Por isso, da próxima vez que se pegar pensando,
“precisamos mudar o Brasil”, pense um pouco mais: já estamos fazendo isso. O
que precisamos, de verdade, é que mais gente se levante e ajude a mudar o Brasil.
Não houve, que surpresa!, caos urbano, blecaute,
arrastão, ataque terrorista. As “arenas olímpicas” não desabaram sobre os
espectadores, o vírus Zika não provocou um genocídio. No fim das contas, quem
deu o maior vexame foi um norte-americano, pensando que poderia iludir com um
assalto imaginário um povo tão acostumado a violência real.
Seria bom se, agora, pudéssemos dizer que o Rio de
Janeiro e o Brasil “provaram” que podem promover grandes eventos. Como se já não
tivéssemos realizado os Jogos Pan-Americanos de 2007, ou a Copa do Mundo de
2014. Será nossa baixa auto-estima inabalável? O próximo evento a ser
organizado no Brasil também será antecedido por um festival de lamúrias,
auto-imolação e profecias de tragédias? Ou desistiremos de lutar com os fatos e
reconheceremos, enfim, que não somos um completo desastre?
Não que a mera ausência de catástrofes signifique que o
olimpismo passou incólume pelo Rio. Dificilmente veríamos em outras paragens fatos
pitorescos como um medalhista olímpico do judô (supostamente) embriagado
apanhando do recepcionista de um hotel após ser (supostamente) furtado por uma
prostituta, competições de atletismo terminando em peixinhos, ou torcida pelo
juiz numa luta de boxe. Duvido também que Lochte tivesse coragem de contar suas
fábulas para sisudos policiais japoneses, e que algum jornalista francês venha
a creditar as conquistas nipônicas nos jogos de 2020 ao candomblé. Resistirá nosso
complexo de vira-lata à constatação de que, além da cidade não ter explodido, estrangeiros também ficam bêbados,
fazem bobagens pelas ruas, inventam histórias escabrosas e escrevem asneiras
nos seus jornais?
Sinceramente, espero que não. Porque de todos os “legados”
que possamos herdar dos jogos olímpicos - linhas de metrô, BRTs, escolas,
quadras, referências positivas na mídia internacional – nada seria
mais importante do que manter acesa uma mínima centelha de orgulho pelo que
somos, e a crença de que, se o Rio de Janeiro foi o lugar mais maravilhoso do
planeta por dezessete dias, ele não precisa ser e não será o pior lugar do mundo agora
que a chama olímpica se apagou.
Claro que o Rio da segunda não é o Rio do domingo. Usain Bolt
não corre mais no Engenho de Dentro, mas o povo precisa continuar correndo para
pegar o trem. Nosso primeiro medalhista, Felipe Wu, descansa suas armas, mas na
Cidade de Deus (e de Rafaela Silva) já teve tiroteio. As filas do Parque
Olímpico foram transferidas para o aeroporto. Enquanto os cariocas seguem na
fila do ponto de ônibus, do posto de saúde, da agência de empregos, milhares de
atletas e turistas lotam aviões pra deixar a capital do melhor e do pior do
Brasil, acreditando que viram o nosso melhor.
E nós ficamos para provar que eles estão enganados. Que o
nosso melhor ainda está por vir.