sexta-feira, 30 de maio de 2014

Diga que não é verdade

Juro que quando me contaram que o principal economista de um dos candidatos à Presidência da República teria afirmado, em pleno período pré-eleitoral, que o salário mínimo estava muito alto eu pensei que era trollagem, “intriga da situação”. Pelo sim, pelo não, resolvi clicar no link, crente que ia me deparar com aquele tradicional cidadão:


Quem dera! Na boa, preferia mesmo que fosse piada. Afinal, melhor cair numa pegadinha de vez em quando do que viver eternamente num cenário de comédia pastelão. Porque, vejam vocês, na verdade o catedrático não disse exatamente que o salário mínimo estava muito alto (ufa!?), mas sim que O salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos.


É, também não entendi! Precisaremos pesquisar um pouco, em duas etapas. A primeira: por mais que “muito” seja um termo um tanto subjetivo, será que o salário mínimo tem crescido mesmo nos últimos anos? E, se isto for verdade, o que será que o economista pretende concluir a partir dessa constatação?
A primeira etapa é fácil, afinal, como ensina na mesma entrevista o mestre-doutor-pica das galáxias no ramo, é questão de fazer conta. De fato, desde 1995, o salário mínimo tem experimentado ganhos reais. A evidência se sustenta com qualquer tipo de comparação: valor em dólar, poder de compra, salário mínimo x índice de inflação, etc..
Opa, mas isso é bom, não é? Ainda mais se tiver crescido “muito”, como ele disse. Vamos estabelecer um método para inferir se realmente cresceu “muito”? Na verdade, nem precisamos inventar nada, porque a nossa Constituição já determinou que o salário mínimo deve ser suficiente... ora, para o mínimo! Vamos ler a Constituição?

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (...):

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (...);

Agora ficou fácil. Se a Constituição define as necessidades básicas que precisam ser supridas pelo salário mínimo, o tal “mínimo existencial”, e o pica das galáxias está dizendo que o valor cresceu muito, concluímos que o salário mínimo com certeza ultrapassou o patamar ideal, de acordo com a Constituição. Está dando pra comprar tudo isso aí, e ainda sobra.
Estranho. Felizmente, não preciso sobreviver com um salário mínimo, mas R$ 724,00 me parece muito pouco dinheiro pra tanta coisa. Devo estar vivendo em outra realidade, mal acostumado, cercado de luxos. Afinal, não é possível que o Eminente esteja falando bobagem. Pior que tem pesquisador (deve ser comunista) insistindo que o valor ainda está baixo, que devia ser pelo menos quatro vezes maior! Como pode?
Bem, o importante é que, malgrado as intrigas da situação, o Iluminado afirma que já cresceu muito. Vamos, pois, para a segunda etapa: o que diabos ele pensa sobre isso?
Pela lógica, se consideramos que cresceu muito, é porque deveria ter crescido menos. E se tivesse crescido menos, estaria mais baixo. Logo, os que contaram a história um pouco diferente não estavam errados, apenas adiantaram a conclusão: o salário mínimo cresceu muito, logo o valor ficou alto. O próprio entrevistado dá uma dica da sua linha de pensamento, dando a entender que esse salário mínimo pode “engessar o mercado de trabalho”, “que o vínculo do salário mínimo com a previdência tem um custo”.
Imagino que, assim como eu, o nobre economista não precise sobreviver com um salário mínimo mensal. Bom pra nós. 
Porém, não como eu, ele parece ser incapaz de entender que a questão comporta, no mínimo, dois pontos de vista. Porque, convenhamos, para dizer que o salário mínimo está “alto”, ou o cidadão não sabe fazer conta, ou demonstra um completo alheamento, desprezo (pode substituir por qualquer outra palavra ou expressão que signifique “tô nem aí”), ao fato de que, além de pessoas (empresários, com os quais ele deve estar acostumado a conviver) que pagam um salário mínimo, também existem, em número muito maior, inclusive, pessoas que recebem um salário mínimo. Gente com a qual ele não deve estar acostumado a conviver. Mas que existem de verdade, não são apenas números numa planilha, variáveis incômodas numa equação que ficaria muito mais bonitinha aos olhos do gênio das finanças se ele pudesse cortar um tanto desse salário tão alto, mais outro tanto de direitos previdenciários, aumentar a jornada de trabalho... quem sabe, copiar as leis chinesas? Para estimular a produtividade?
Mal posso esperar o início da propaganda eleitoral na televisão. Espero que o candidato com sobrenome de grife escute as brilhantes ponderações do seu Coordenador Econômico e inicie a campanha prometendo reduzir o salário mínimo e os valores das aposentadorias. O povo brasileiro anda precisando dar umas boas risadas.



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